segunda-feira, 23 de maio de 2016

Quem Vai Assumir a Irresponsabilidade?

A inauguração apressada do chamado pelo Governo de Linha 4 mas que a população apelidou de "puxadinho da Linha 1" causa apreensão entre os cariocas. Tudo isso porque o cronograma original das obras da Linha 4, divulgado no primeiro semestre de 2010, previa a conclusão das obras em Dezembro de 2015 e a abertura ao público em Julho de 2016, após seis meses de testes.

No entanto, o cronograma foi por água abaixo. O tatuzão demorou a ser montado na caverna da Estação General Osório 2. Quando começou a escavar, enfrentou problemas sob a Rua Barão da Torre e ficou cerca de oito meses parado. O dinheiro também foi um problema e a Estação Gávea foi deixada para depois.

Por causa de um "compromisso olímpico" inexistente - conforme já noticiamos aqui o COI nunca exigiu esta obra do metrô - que o Governo gosta de repetir até que se torne uma verdade, vão inaugurar a Linha 4 de qualquer jeito, sem testes. Para se ter uma idéia do atraso, no final de Maio, ainda há trechos da Linha 4 sem os trilhos e o tatuzão ainda não recuou para abrir o túnel entre Leblon e Gávea.

O que é preciso ser testado? Se os trens passam certinho sobre os trilhos; se vai caber nas estações, o sistema de freios automáticos, sinalização da via, a energia da linha férrea, das estações e das composições, o X após a Estação Cantagalo (para a Estação General Osório 1 e para a Estação General Osório 2, o sistema de ventilação, os elevadores, escadas rolantes, iluminação, bilheterias, catracas, sistema de alto-falantes, situações de pânico e emergência, saídas de emergência, a baldeação em Ipanema, etc, etc. Também seria necessário que testes de oferta e demanda fossem feitos para não superlotar o metrô.

O Clube de Engenharia e engenheiros de transportes já lançaram um alerta. Trata-se de uma loucura inaugurar o metrô sem ou com pouco tempo de testes. O próprio metrô fluminense só foi inaugurado em 1979 após seis meses de testes! Tudo em nome de um inexistente "compromisso olímpico".

Sendo assim, entrevistamos Atílio Flegner, especialista em mobilidade urbana, membro do Clube de Engenharia, membro do Fórum de Mobilidade Urbana do Rio de Janeiro, membro do Movimento Linha 4 que o Rio Precisa e do Movimento Linha 2 Estácio - Praça XV para que ele fale um pouco dos riscos desta inauguração precoce.

BLOG: Atílio, como especialista em transportes, você acha que a Linha 4 vai facilitar a vida do carioca?
Atílio Flegner: De certa forma ela irá trazer o benefício da previsibilidade no tempo de viagem e também a rapidez de se chegar na Barra. Hoje é muito difícil o transporte entre Centro, Z.Sul e Barra, pois as vias de carros estão saturadas e o serviço de ônibus é muito precário, ainda mais depois da racionalização das linhas. Porém a “linha 4” representará um significativo aumento na demanda na Linha 1, que já opera com superlotação, ou seja, o benefício não será benéfico como seria se fosse feita a Linha 4 original.

BLOG: Como você viu a mudança no traçado da Linha 4, do projeto original de 1998, para o que estão construindo agora?
Atílio Flegner: A mudança de traçado foi algo bem prejudicial a concepção da Linha 4. O traçado licitado em 1998 iria ligar o Jardim Oceânico ao Bairro de Botafogo. Depois disso, foi feito um estudo da Rio Trilhos que indicava uma Linha 4 ligando o terminal Alvorada até a estação Carioca no centro da cidade. Em 2010 o traçado foi abandonado e resolveram implementar esse traçado atual que nada mais é que uma extensão da Linha 1 até a Barra. Sendo uma extensão, o sistema de metrô do Rio configura-se de forma anômala, sendo uma espécie de tripa e não uma rede. Esse sistema de linha única possui várias desvantagens dentre elas a mais prejudicial é o aumento da superlotação nos trens.

BLOG: Estamos em Maio e as obras ainda estão em andamento. Não está muito em cima para se inaugurar seis novas estações em Agosto? Além de testes básicos do metrô circulando pelos trilhos, também é preciso testar situações de pânico, saídas de emergência, banheiros, catracas, elevadores, etc. Quanto tempo é necessário para se testar tudo?
Atílio Flegner: Sim, está muito em cima e isso mostra como a obra vem sendo tocada de forma totalmente irresponsável. Geralmente os processos de inauguração de linhas de metrô que vemos mundo afora, demandam ao menos 4 a 6 meses de testes até o início de uma operação assistida, para só depois começar a operação comercial. Ainda há locais onde nem os trilhos foram instalados ainda e a essa altura do campeonato já deveriam ter trens circulando para os testes, isso mostra como o processo está desorganizado e muito corrido.

BLOG: Como é feito em outras cidades do mundo?
Atílio Flegner: Geralmente se leva de 4 a 6 meses em testes ou mais dependendo das características da linha. Uma extensão da Jubilee Linde de Londres levou 4 meses até começar os testes com passageiros em horário reduzido. O próprio metrô do Rio, Linha 1, levou mais de 6 meses sob testes no ano de 1978 até a inauguração em 5 de março de 1979. O VLT, que é um sistema bem menos complexo que uma linha de metrô subterrâneo, está em testes desde janeiro de 2016 e será inaugurado só agora em maio.

BLOG: Além de inauguraem as novas estações às pressas, chegou a informação até este blog que a Linha 4 não terá sinalização automática. Isso é arriscado?
Atílio Flegner: O metrô do Rio de Janeiro possui piloto automático somente entre Uruguai e Cantagalo, todo o trecho que é a Linha 2 e entre Cantagalo e Ipanema, na Linha 1, não possui piloto automático (P.A.). Esse dispositivo controla as acelerações e frenagens do trem, o piloto humano nada realiza, apenas monitora o sistema e controla as portas. Sem o piloto automático a “linha 4” terá os mesmos problemas da Linha 2, ou seja, os intervalos tendem a ser irregulares. Caso os pilotos tenham bom treinamento o processo pode ser seguro, mas dependerá de muita habilidade e também bom funcionamento do sistema ATP, que trava os trens caso um piloto avance o sinal vermelho. O grande problema da falta do piloto automático é que a linha de metrô não poderá ter intervalos menores, reduzindo assim a capacidade de transporte e ofertando menos lugares no sistema aos passageiros.

BLOG: Outro risco é o Y com trens vindos de duas estações General Osório para a estação Cantagalo. Estou exagerando ou um erro humano pode causar um desastre neste ponto? 
Atílio Flegner: Na verdade esse é um cruzamento em “X” já que o trem que sai de Ipanema 2 cruza a via do trem que iria para a Ipanema 1, conferindo uma considerável perda de capacidade ao sistema. O CCO-Centro de Controle Operacional deverá estar bem atento a esse cruzamento. Porém inicialmente essa junção não irá operar agora. O trecho General Osorio 2- Jardim Oceanico operará separado da Linha 1, os passageiros terão que trocar de trem em Ipanema para seguir viagem até a a Barra.

BLOG: Você defende inutilizar a primeira Estação General Osório?
Atílio Flegner: Quando a Linha 1 prosseguir seu caminho até a Gávea e a Linha 4 continuar da Gávea para Barra, não vai fazer sentido a existência de duas estações General Osorio. Aliás, nunca fez sentido, o problema é que o governo errou ao fazer novamente o trecho Cantagalo-Ipanema. Sendo assim a atual estação de General Osorio ficará sem sentido operacional, mas poderá ser convertida num estacionamento de trens, já que eles passarão pela segunda General Osorio e seguirão em direção a Ipanema e Leblon. 

BLOG: Com o fim das Olimpíadas, é preciso retomar as obras da Estação Gávea. Você acha este trecho importante?
Atílio Flegner: A estação Gávea é a mais importante dessa linha pois com ela é possível retomar o projeto original de levar a Linha 4 para o Centro da Cidade, passando por Jardim Botânico, Humaitá, Botafogo e Laranjeiras, bem como retomar a ideia da Linha 1 circular, concluindo o túnel de 5,5 Km entre a estação Uruguai e a estação Gávea, que se tornaria ponto de transferência entre as linhas 1 e 4. Lembro ainda que o governo chegou a dizer que não iria fazer a estação Gávea, depois afirmaram que não iriam fazer em dois níveis, só após pressão do movimento O metrô que o Rio Precisa e com apoio do Ministério Publico o INEA colocou como uma das clausuras a serem cumpridas pelo governo a instalação da estação Gávea em 2 níveis, para no futuro atender as Linhas 1 e 4.

BLOG: Finalmente, o que outros especialistas, engenheiros, Clube de Engenharia, ... dizem sobre o pouco tempo de testes da Linha 4?
Atílio Flegner: É consenso geral que a “linha 4” está sendo gerida de forma irresponsável. Vide o fato de que essa semana o governo anunciou que irá abrir a linha de metrô somente para as pessoas com ingressos olímpicos e depois que terminar as Olimpíadas irá fechar o trecho para “ajustes” e só abrirá para público em setembro, ou seja, durante as Olimpíadas os turistas e cariocas com ingresso irão servir de cobaias, pois o metrô não estará operando com 100% de segurança.

Fica a pergunta: em caso de acidente - vide a Ciclovia Tim Maia - quem vai assumir a responsabilidade?

Um alerta à população: só utilizem a Linha 4 após seis meses de sua entrada em operação. Antes deste prazo, não se sabe se o metrô é seguro ou não.

4 comentários:

  1. Excelente entrevista com as verdades insofismáveis quanto às LAMBANÇAS da Linha 4. Se a pergunta no título ("Quem Vai Assumir a Irresponsabilidade?") continuar sem resposta - continuaremos afundando na podridão institucional. Isso só interessa aos "chapa-brancas".

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  2. Em resumo...os chamados testes estáticos e dinâmicos que são obrigatórios antes da entrada em operação comercial de um linha de metrô,além da obrigatoriedade da chamada "operação assistida" durante o período de alguns messes para que se faça uma Check Listen total em todo o sistema,trilhos,via permanente,sistemas elétricos,sistema de sinalização e controle,CCO,sistemas de comunicação,testes de condução,testes de velocidade e de frenagem,operacionalidade das estações,controle operacional do sistema,prevenção de acidentes,simulações de emergências,testes das composições operando com passageiros....em fim toda uma gama de testes e experimentos que traduzam a realidade da operação comercial,para que ela possa ser iniciada com toda segurança não só para os usuários bem como para todo o sistema.Atropelar ou encurtar todos esse procedimentos significa colocar em grande risco a segurança operacional do sistema bem como a dos seus passageiros...procede a pergunta...."quem vai assumir a responsabilidade"?

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